Da adversidade de viver na rua, nasce a cumplicidade entre três improváveis companheiros
INDAIAL - Francisco pede "licença" e logo ergue as mãos para o alto simbolizando que não é preciso ter receio, o gesto, conta mais tarde, é resultado da experiência de morar na rua e conviver com o medo e preconceito que muitas pessoas sentem ao cruzar com ele e com os amigos. A intenção da abordagem é oferecer uma caneta customizada para compra. A venda do artigo garante a alimentação dos três amigos, assim como os "pequenos bicos" que eles realizam na cidade de Indaial.
Conversa vai, conversa vem, Francisco Suan, de 38 anos, conta sua história e, mais do que isso, celebra a amizade selada entre ele, Franciele Aparecida de Oliveira, de 51 anos e Sálvio Domingos, de 59 anos. Um convívio nascido nas ruas e fortalecido pelas dificuldades em comum.
De fala calma e jeito simples, Francisco diz que veio do estado do Ceará com a promessa de um emprego de ajudante de pedreiro. "Quando cheguei aqui não encaixou mais o emprego, de lá para cá estou procurando, mas não consegui nada fixo e acabei vindo parar na rua", conta. A vontade dele é encontrar um trabalho e deixar os dias de morador de rua para trás. Até lá, conta com a comercialização das canetas, bicos, solidariedade dos indaialenses e com a amizade dos dois companheiros.
Franciele nasceu em Caçador, mas estava morando em Rio do Sul quando uma briga séria com um dos filhos a fez sair de casa. "Me desgostei muito e acabei vindo parar na rua. Vivo aqui com eles. Para sobreviver não fazemos nada de errado ou ilegal. Muitas pessoas discriminam, mas a gente anda dentro da lei. Nós pedimos, se a pessoa quer dar tudo bem, se não quiser que Deus abençoe do mesmo jeito". Franciele diz estar doente e receber atendimento no Sais, mas o que quer mesmo é encontrar o filho mais novo. "O nome dele é Manoel de Pinho, faço um apelo para que, se ele puder, venha aqui falar comigo, pois perdi o contato". Ela conta ainda que não conseguiu um trabalho, mas realiza todos os serviços que encontra para conseguir comprar comida e remédios.
O terceiro integrante do grupo, Sálvio, tem uma história um pouco diferente da contada pelos amigos, isso porque ele não quer deixar as ruas. "Eu vim parar nessa situação depois que me separei de minha ex-esposa e comecei a beber. Já andei muito por aí, conheço desde o Rio Grande do Sul até Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso", explica. Para ele, são dois os motivos pelos quais não quer pedir auxílio aos filhos. "Eu não quero incomodar eles, pois todos têm suas famílias e suas vidas formadas. E depois, aqui na rua, tenho minha liberdade. Se fosse morar com um deles teria que seguir regras e isso eu não quero. Aqui eu bebo, fumo, como e durmo". Quando questionado se esta liberdade vale as dificuldades enfrentadas, Sálvio diz que já acostumou com essa vida e que, na companhia dos amigos, tudo fica mais fácil.
Olhos abertos
Os três esclarecem que vivem atualmente no local onde ocorre a Feira Livre Municipal de Indaial. "Nós ficamos aqui de sábado à quinta. Como na sexta tem feira, limpamos tudo e vamos para outro lugar".
Os pertences ficam em um carrinho, adquirido de um homem que já foi morador de rua e conseguiu mudar de vida. Poucas coisas acompanham os três na caminhada: algumas roupas, cobertas, as canetas de Francisco, um fogareiro e uma panela, onde Franciele costuma cozinhar para os três. "Assim como existe o medo e o preconceito, também há pessoas muito boas que nos ajudam com comida e roupas", diz Franciele. "Nós não queremos roubar nem fazer nada de errado. O local aqui também mantemos limpo, não usamos drogas e nem queremos confusão", completa Francisco.
Infelizmente, já houve incidentes como pessoas querendo roubar as poucas coisas que eles têm. "Quando dois saem, um fica aqui. Enquanto dois dormem, o outro está atento. Tem vezes que a gente precisa se defender", confidencia Sálvio.
Quanto à ajuda dos órgãos públicos, os três dizem que recebem visitas da Assistência Social e que não podem reclamar deste serviço. "Eles fazem o que podem, mas emprego eles não podem dar para a gente", pondera Francisco.
Assistência Social
A coordenadora da Assistência Social de Indaial, Simone Fourlan Nandi, informou que o objetivo do Serviço de Abordagem Social é promover o retorno ao convívio familiar. "Nos atendimentos aos moradores de rua sempre conversamos com eles sobre um possível retorno ao convívio familiar, porém alguns querem continuar nesta condição e mantém suas decisões sempre que apontamos uma direção que oportunize a saída das ruas. O intuito do Serviço é de fortalecer vínculos para a construção de novos projetos de vida, pautado na postura de respeito às escolhas individuais de cada um", afirma.
Já com relação à benefícios como Programa Bolsa Família, Benefícios Cidadania, Benefício de Prestação Continuada (BPC), entre outros, a assistente esclarece que são concedidos àqueles que se encontram dentro dos critérios estabelecidos em lei. Também explica que o fornecimento de alimentos não parte da Assistência Social, mas sim da própria população, por solidariedade. "Importante salientar também que a grande maioria dos moradores de rua acaba fazendo alguns "bicos" para poder garantir alimentação diária". Sobre o acesso à saúde, o Caps e o Sais atendem conforme o interesse e procura destes moradores.
"O município não possui abrigo para acolher pessoas em situação de rua e não existe nenhum abrigo de outros municípios que atendam a nossa demanda. Importante lembrar que está garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º "o direito de ir e vir" e de permanecer em locais públicos de todo e qualquer cidadão", finaliza.
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